Acho que funciono no tempo das árvores - pensou enquanto olhava fixa e incredulamente para a copa de um enorme flamboyant plantado no meio da rua.
Quanto tempo será que estou parada aqui? 10, 30, 50 minutos...Não importa. Não faz a menor diferença.
As árvores são seres fascinantes, não acha? Eu poderia passar um vida inteira talvez morando com uma, como se ela fosse uma espécie de esposa. Quando o mundo desaba é só esperar meia noite e correr pro parque. Tiro os sapatos e me deito sobre as enormes raízes da árvore, cujo nome não sei, com os pés e mãos tocando alguma parte dela. Pronto, tudo acalma, tudo para, tudo se dilata.
Você tá falando com quem?
Com quem eu sempre falo quando não há ninguém com quem eu esteja falando.
Você é meio doida, lunática talvez.
Talvez.
Você é um saco de poesia, poeira cósmica, todas as emoções em seus extremos, e toda a natureza do mundo misturados num liquidificador gigante.
Então eu sou um suco não um saco, certo?
Hahahaha, você é engraçada sabia? E olha que eu nem existo.
Claro que existe.
Como sabe?
Não sei. E é justamente por isso.
Você acha que as pessoas entendem suas conclusão?
Acho que não tiro conclusões, me vejo como uma grande questão que é feita de várias questõezinhas em aberto.
Em aberto?
É o que se diz quando algo não está concluído.
Então você também não existe, né?
Pensando por esse viés...
(respiro-suspiro)
Sou um copo.
Colorido ou transparente?
Acho que transparente com desenhos.
E qual é a bebida?
Ué, a bebida é esse suco estranho batido no liquidificador gigante.
Claro!
( pausa)
Você tem rodinhas então?!
Claro né! Sou um copo com rodinhas, senão não ia poder me movimentar pelo mundo.
Uma árvore é um copo parado então.
Acho que uma árvore é uma pirâmide enorme de copos, que nem aquelas que fazem com cartas, com vários tipo de suco diferentes. As árvores são os seres mais sábios do mundo.
Tenho uma avó que é árvore, sabia? Ela me contou como as estrelas ficam presas no céu e qual é o tamanho do infinito que ela mesma mediu!
Como faz para medir?
Isso ela não pode dizer, é segredo das árvores.
Ontem carreguei um bebê árvore nas costas.
Ele chorou muito?
Ela.
Ela chorou muito?
No começo sim, porque não sabia quem eu era, mas depois eu fiz cosquinha na suas folhas e contei histórias sobre os jardins suspensos da babilônia, e ela deu risada!
Disse que você é engraçada!
Depois fui embora.
Deixou ela lá, sozinha?
Claro que não né! Ela foi morar nas costas de outra pessoa, e depois de outra, e de outra.
Ela não tem medo, não fica triste?
Ela não tem medo porque entende que ficar triste é uma coisa boa.
Como?
Porque toda vez que ela fica triste quando alguém vai embora é porque ela gostou muito daquela pessoa.
(bocejo)
As pessoas deviam ser como pássaros, não acha?
Não, elas são muito pesadas para voar.
Será que as pessoas são copos com suco de chumbo?
Algumas, sim.
Um dia, vou construir o maior canudo do mundo, e ele vai sugar todo o chumbo de todas as pessoas e aí todo mundo vai voar!
Hahahahaha!
Que foi?
Vai ser engraçado, um monte de copo voando!
Vai mesmo.
É, vai.
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