segunda-feira, 18 de outubro de 2010

De ilusionista e semeador de sonhos, todo mundo tem um pouco.

Hoje, vou dormir sem calça, pensou.
Quero sentir minha perna no geladinho(da cama recém "aberta") que depois fica morno.
Chorou de felicidade em ser, e só. - riso tímido de canto de boca - e você, já?

Existem preciosos momentos que me fazem perceber ser.
Nesses dias ando pela madrugada a fora na faixa dupla que separa as duas vias da rua, como numa corda bamba, sempre com meu guarda-chuva vermelho em mãos. Fecho os olhos e só abro para ver se a Lua, lá de cima, continua me acompanhado.
Quando se tem essa idade, os desejos mudam. O mundo se expande de uma forma lindamente estranha. As árvores parecem mais retorcidas e verdes, os buracos negros mais fundos e mais convidativos. A paleta de cores é outra. Você é capaz de parar por intermináveis minutos só por que se deparou com um caminho de primaveras magentas que caíram na calçada com o vento forte da nova estação.
(Vez ou outra divirto-me em encontrar novas espécies marítimas na profundidade oceânica de mim. Elas são engraçadas, desengonçadas e disformes! Não sei lidar com elas. Creio que isso, pra minha sorte, nunca terá fim. Desvendar-se é como ganhar um trevo de quatro folhas e depois perdê-lo).

Minha alma é um rebelde sem causa, é aqueles adolescentes revoltados de ingenuidade tão intacta que nem percebem o tamanho da pureza presente em suas utopias buscáveis.
[A beleza está em não se ter o menor controle sobre nada, e acreditar tão profunda e castamente em algo muito maior que você( que é você mesmo na verdade, ou não?), que a vida começa a ter uma magia intrínseca e de repente sinto que tenho novamente 5 anos de idade e brinco com o destino dos habitantes idênticos da pequena cidade que inventei num buraco criado na parede de meu quarto antigo].

E por que não?
E por que não?

As coisas, todas elas, num instante flutuam em câmera lenta e vagam perante meus olhos perplexos para que eu escolha a combinação mais adequada para aquele instante específico, o instante precioso de ser, lembra?
Ah, vai? Existem clichês deliciosos que a gente finge que não gosta, mas no fundo se arrepia todo só de pensar ou relembrar!

Talvez sejam eles, os clichês, que nos impeçam de dar um tiro na cabeça, pensou.
Ei, eu não quero dar um tiro na cabeça!
Isso é porque você tem uma vasta coleção de clichês. Mas vai dizer que você nunca pensou ?, cutucou.
É...uma vez, na hora da passeata das mil coisas em câmera lenta já escolhi uma arma explodindo uma cabeça...Era um imagem de um filme do Tarantino.
Nossa! exclamou.
Mais aí, acabei dando risada, e em vez da morte ganhei outro clichê!
Pois é...mas às vezes a imagem vira dor, ou aquelas cicatrizes invisíveis que agente sempre espera que venha alguém para curar, mas nunca vêm, já que a cicatriz não necessariamente existe, refletiu.
Mas isso também não é outro clichê?
E existe algo que não seja? perguntou.
Acho que não...
(pausa)
Gosto daquele em que o mundo todo para, congela, ou fica todo mundo andando em câmera muito muito lenta e desfocada,e... Ah! todo mundo tem, usa, ou é de um tipo de cor fria ou monótona, menos ela/ele. Ela/ele não é tão chamativa/o assim, mas é. A roupa é simples, mas é a dela/e e isso basta. Ela/e tá ali, fazendo alguma coisa banal em tempo real, como esperar pelo trem ou pelo sinal que está na eminência de abrir. O sinal sempre está na eminência de abrir quando reparamos na rara existência dela/e, e isso nos impede, ainda bem, de chegar a tempo de perguntar...parou.
Perguntar o que?
Ah, sei lá, qualquer coisa como "porque você cheira como a minha infância?", ou "como vivi sem suas cores, que nem sabia que existiam, até hoje?", ou mesmo "porque insisto em escutar a música da cadência de seus passos em meu sonhos se nem ao menos te conheci?", divagou.
Nossa! Você decorou esse clichê todinho?!Já pensou em começar a semeá-lo? Você teria futuro com isso!
É...- riso semi-tímido de canto de boca - acho que já faço isso... Ando por aí semeando imagens falsamente poéticas, (que são as mais verdadeiras, porque são apropriações), de um colorido nada novo, mas que as pessoas esquecem que existe, por isso sentem ao relembrá-los, concluiu.
Isso é bonito.
Pretensioso, não acha? indagou.
Não, na verdade não, sabe porque?
Não,respondeu.
Porque você vive num eterno deslumbrar-se e isso rouba sua pretensão, já que mesmo o que semeia acaba sendo sempre novo para pessoas facilmente impressionáveis como você.
Tem razão, sempre que acendo um fósforo, fico besta!, rememorou.
Não disse?!
(gargalhadas)