segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Fundo falso ou aquela rachadura.

Me vejo criando um milhão de desculpas para justificar a minha existência torta, os meus desejos latentes e às vezes infantis, a minha vontade de ser várias e depois voltar a ser uma só. Me vejo tirando entulhos dos armários de anos e percebendo quantas fui e parei de ser, quantas quis continuar sendo e por isso guardei, e quantas preciso deixar de ser para que tantas outras venham.
Lua nova.
Crescer abre um rombo na gente. E desse rombo brotam coisas completamente inesperadas e desconhecidas. Palavras que não existem, comidas que não sei o nome, animais misturados e encantados, florestas inteiras de árvores que falam, e um espelho, rústico e empoeirado que estava guardado ali, ou melhor aqui, dentro há milhares e milhares de anos. Está muito sujo, não enxergo meu reflexo, só um silhueta fraca que poderia ser a de qualquer rascunho de pessoa no mundo( ou fora dele, porque não?).

-Porque você demorou tanto?- pergunto.
(silêncio)
-Porque você demorou tanto?- pergunto novamente.
(silêncio)
-Porque você demorou tanto? - ele retruca.
-Não sei...Havia muitas coisas no buraco, em cima de você, nem sabia que você estava aqui...

Tiro instintivamente as meias do pés e começo e esfregar o espelho, não são suficientes para tirar todo o pó que o recobre, tiro então o vestido e faço o mesmo. Aos poucos começo a ver um esboço....um esboço de mim?
Um esboço de mim!
Como estou diferente, estou....pareço...como estou diferente!
Vejo uma mulher.
Uma mulher de olhos parcialmente inchados e cabelos curtos,
de olhar fixo e penetrante,
De mãos pequenas e sobrancelha grossas.
Um mulher de silêncios esburacados e vazios,
Sem sobreposições, sem muitas cores, sem embaralhamentos e miopias.
Uma mulher por fazer.

A imagem minha refletida então me encara e me digo palavras de Clarice:

-Aguenta eu te dizer que Deus não é bonito. Isso porque ele não é nem um resultado e nem uma conclusão, e tudo que a gente acha bonito é às vezes só porque já está concluído.

Aguento!
Será?
...
Mergulho então dentro de minha alma, através de meus olhos, e por lá submirjo.
É tempo de hibernar-me.