segunda-feira, 14 de abril de 2008

trecho sem fim do livro sem nome

Tinha uma prazer secreto que era só dela, não sabia ao certo porque. Mas era algo que era dela, e só. Ela adorava túneis. Quando a Kombi entrava no túnel da nove de julho,seus olhos brilhavam e se desligava (automaticamente) daquela ela que detestava e que se esforçava tanto em esquecer sem sucesso. Olhava aquelas luzes que nunca se apagavam - ela sempre passava por ele de noite - não importa o que acontecesse elas sempre luziam,sempre. E ela abismava-se toda santa - ou profana - vez. Todo o dia via a mesma coisa:o mesmo túnel,as mesmas cores, as mesmas luzes, o mesmo barulho do motor, as mesmas risadas das mesmas garotas e das mesmas piadas, o mesmo cheiro, a mesma ela.

Isso eram detalhes.

Não tinha a mínima importância.Todo dia ela fazia questão de esquecer-se de já os ter visto.E se comportava com uma criança que ganhou o primeiro cachorrinho de estimação.

- Eu podia cê um pêxe...será que aquilo que eles falam sobre a memória dos pêxes é sério?Pensa só: toda vez que olhasse pro lado depois de algum tempo ia tomâ um susto ou fica dislumbrada sei lá, toda hora uma sensação velha que ia cê sempre como se fosse nova - no túnel eu sô pêxe dorádo!-

domingo, 6 de abril de 2008

Danny-ball

O que pretendia ele com tais atitudes? O que queria o mocinho da cara minguada? Não se sabe, não se sabe...Sabe-se apenas que enfiava um chiclete atrás do outro dentro da boca e mascava, freneticamente. Sempre ele e o chiclete. Os chicletes. Tinha uma sede, uma vontade enorme, uma ânsia! Não sei do que...Mascava aqueles chicletes no ritmo do instante em que se tem uma grande idéia, das boas. Mascava com tanto gosto, como se o mundo inteiro deixasse de existir e sobrasse só ele com a boca e os chicletes. Que tempo era esse em que ele funcionava? Parecia mais um falha no sistema, sabe? Um buraco negro. Uma vida mascando e mascando e mascando. Não dava bom dia, só levantava a mão direita com os dedos colados, esboçando um semi-aceno e dando um sorriso de boca fechada. Era a o único frêmito de segundo em que parava de mascar. No tempo do sorriso fechado. Nunca abria aquela boca, só pra enfiar mais chicletes dentro dela. O aro negro da armação dos óculos moviasse levemente, pra cima e para baixo, acompanhado o movimento das bochechas rosadas. Às vezes um fio ou outro do cabelos também negros deslizavam suavemente para o rosto. Percebia e coçava o nariz, mas não reconstituía a forma anterior. A cada mascada uma nova forma. Uma mascada e não era mais o mesmo, o mesmo que havia visto. A cada mascada um olhar pra alguma direção distante das reais. Ponto de fuga. Ponto cego. Tinha uma percepção diferente. Prefira calar e observar e depois registrar, não como os outros, mas sim com os dentes na massa amorfa. Parecia mais era ser feito da matéria dos sonhos. Aquela calça listrada. Não fazia o menor sentido e nem tinha motivo algum. Pretendia...nada. Por isso andava com passos tão retos .Por isso passava sempre percebido. Por isso passava sempre desapercebido. Talvez fosse, talvez não fosse. Talvez fosse ele o próprio prefixo de quatro letras ou prefixo algum. Não sei. Não posso saber. Já que ando eu também com os chicletes na bolsa.