domingo, 14 de outubro de 2012

Preciso de um lugar secreto [ caixas de pequenas ficções]

Não é difícil perder-me. Não aquele perder-se poético do "é preciso perder-se para se encontrar" e blá. É um perder-se esquisito e nebuloso, tipo um buraco negro em forma de aspirador de pó.O peito dói, as ações são evasivas e precárias, como se eu estivesse flutuando inconsciente acima de mim mesma. A gente se entorpece com esse mecanismo maquiavelicamente elaborado e acha estranho e se sente mal quando sem querer nos deligamos dele e temos um brilhante, efusivo e fulgaz lapso de consciência. Aí, aí achamos que estamos loucos, ou que estamos mal e queremos que aquela ensurdecedora consciência real pare! E aí nos entupimos de novo com qualquer mentira enlatada que guardamos num grande estoque protegido por cameras de segurança. Um dia vou contratar um capanga para assaltar esse estoque, só pra ver a minha reação, O que farei sem os meus enlatados? Derrubarei as prateleiras? Roerei as unhas dos pés? Não sei, mas qualquer coisa é melhor do que esse entorpecimento travestido em que vivemos. [ agora me ocorreu: porque usar "nós" ao invés de usar "eu"? Deve ser para me sentir menos sozinha, pra crer, mesmo que de mentirinha, que existem outros como eu. Ou para legitimar o que sinto e escrevo.] Deve ser mesmo muito sozinho depender da aprovação dos outros.