Personagens:
Isabela – 6 anos e meio
Mãe.
Mamãe, mamãe! Olha só o meu desenho!( com empolgação típica infantil)
Ah!(sem nem olhar para o desenho. Comportamento não maldoso, mas típico da mãe moderna-mulher-trabalhadora,que realmente não tem tempo de analisar o quinquagésimo nono desenho que a filha lhe mostra em uma semana. Sabe aquela fase em que eles passam o dia desenhando?Então...Sendo assim,e por ser sua filha, é claro que todo desenho será lindo)Que lin...(pausa-medo-susto)O que significa isso?!Hein?!
Ué mamãe é a bailarina!( com um sorriso sarcástico infantil como que denunciando que fez coisa errada, mas sabendo que por ser criança pode aproveitar-se do fato de todo erro ser acerto, e de que sua lógica não necessariamente, quer dizer, com certeza não é a mesma dos adultos)
Sem cabeça Isabela! Sem cabeça?!( com ar de superioridade maternal, pensando “que bonitinha! Esqueceu a cabeça!deixa a mamãe te ensinar com é que se faz” ) Não existe bailarina sem cabeça filha...O corpo não pode estar vivo, dançar se não tiver cabeça.( Com doçura maternal, tentando simplificar ao máximo a explicação, mas conservando um ar de mestre oriental que treina seu discípulo ainda ignorante)
E quem disse que ela não tem cabeça?( paciente e triunfante,sabendo que virará o jogo)
Você não desenhou a cabeça aqui filha...(Com ar de falsa-modestia de uma professora de alfabetização para adultos)
Não desenhei, mas ela tem cabeça ué...só não desenhei mamãe...isso não quer dizer que ela não tem.( com ar de desdém, meio blasé, como se aquilo fosse muito óbvio)
Como assim filha?( Confusa e pega de surpresa pela resposta da filha)
É só um desenho, se eu desenhasse a cabeça você não ia prestar atenção no mais importante que são os pés,as pernas, o corpo. Alias você não ia nem prestar atenção no desenho em si, ia dizer que tá lindo como você sempre fala. Então achei por bem utilizar-me de tal representação gráfica para enfatizar o que, para mim, mais tem importância na idéia explicitada, que é o ser em movimento, no caso a bailarina. Acho também que a cabeça é muito limitadora, o racionalismo extremo é inimigo da expressão corporal plena, sendo assim, optei por criticar o sistema no qual estamos inseridos, que nos propicia nada mais do que um massacre corpo-expressional, hiper-estimando um mente constantemente reprimida e sobrecarregada, que faz com que deixemos de lado a importância da pausa, do tempo para si e do movimento. Sendo assim nos tornamos escravos de nossas mentes, robotizando-nos, esquecendo-nos de sentir, esquecendo-nos que temos um corpo. Mamãe, você já parou pra sentir suas articulações, seus dedões dos pés, seus ouvidos? Não, eu sei que não...Ai,ai, é uma pena. Bom, deixa eu parar de perder tempo com conversinhas e ir tratar do que interessa, desenhar de giz de cera nas paredes da casa, rodar até cair no chão, correr, rir muito, conversar com meus amigos imaginários e exercitar meus cinco sentidos ao extremo enquanto ainda posso experimentar o mundo sem pudores ou medos.
Sai
Nota da autora: Ah! Essas crianças de hoje em dia!
3 comentários:
Por acaso(?) conheço uma criança com esse nome, mais ou menos nessa faixa etária...
divertido de ler. que bom que retomou o blog!
beijoquinha
ahahah foda!
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